Língua culta e coloquial

Por Marcos Chiquetto

— Pô cara, demorô!

Se você recebe essa resposta quando avisa que vai visitar um amigo, entende perfeitamente o sentido. No entanto, esse conjunto de palavras, do ponto de vista da gramática normativa, simplesmente não poderia existir.

Veja outras frases desse tipo:

— Peraí, cê sabe que isso é caô.

— Ali tá rolando um love

— Ela nem se tocou que o babaca tava babando nela.

— Mano, cê tá louco?

Compare os exemplos acima com este texto:

Com suas letras, muitas vezes beirando o escatológico, outras de um lirismo deliciosamente suburbano, Aldir Blanc é um admirável cronista carioca. Com assinatura pessoal e reconhecível já a partir da primeira frase, ele renova e mantém viva uma tradição que tem, entre seus primeiros mestres na música popular, Noel Rosa … (Ricardo Cravo Albim, Dicionário da Música Popular Brasileira)

Nesse caso, vemos algo que parece ser a correta utilização da nossa língua.

Afinal, qual das duas é a verdadeira língua portuguesa? A resposta é: as duas são variantes do português, denominadas língua coloquial e língua culta.

E qual delas você e eu usamos o dia inteiro quando conversamos?

Bem, quanto a mim, tenho certeza da resposta. Quanto a você, se você for como 99% dos brasileiros, acho que também sei: nós dois usamos a língua coloquial quando conversamos, assim como os médicos, os engenheiros e até os escritores. Embora a maioria das pessoas não tenha isso claro, ninguém (ou quase ninguém) usa a língua culta quando fala. Ela só é usada para escrever ou para se expressar em ambientes necessariamente formais. Imagine você falando as frases acima citadas do Ricardo Cravo Albim numa roda de amigos no botequim. Na terceira linha, estaria falando sozinho.

A contraposição entre essas duas variantes acrescenta uma grande dificuldade ao aprendizado de uma língua estrangeira. As escolas de idiomas precisam de regras e lógica para ensinar a língua de forma sistematizada, por isso, tendem a ensinar predominantemente a língua culta. No entanto, essa não é a língua usada no dia-a-dia.

Por exemplo, se um estrangeiro que estuda português se deparar com o exemplo de língua culta citado acima e tiver um bom dicionário, ele talvez gaste um certo tempo traduzindo, mas provavelmente conseguirá entender a mensagem. No entanto, dê a ele o melhor dicionário de português e o melhor livro de gramática, e diga:

— Pô cara, demorô!

Marcos Chiquetto é engenheiro, professor de Física, tradutor e escritor. É diretor da LatinLanguages, uma empresa de tradução brasileira.

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